Florence Nightingale-a-dias

“Quando se soube que os enfermeiros contratados pela Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo iam auferir 3,96 euros à hora, gerou-se alguma indignação. “É ofensivamente baixo”, disse o sindicato dos enfermeiros; “é um balúrdio”, pensou aquela gente que acha que os salários em Portugal são muito elevados (excepto os dos gestores de topo). Depois dos descontos, cada um destes enfermeiros leva para casa entre 250 e 300 euros. Mais do que suficiente para os profissionais que vão a pé para o trabalho, moram num parque de campismo, não têm muito apetite, apreciam viver às escuras e desprezam o banho. Aquela ínfima percentagem que desperdiça dinheiro em transportes, renda, alimentação, luz, gás e água, é natural que tenha dificuldades. Talvez assim aprendam a abdicar de alguns desses luxos.

Esta descida equipara os salários dos enfermeiros ao das empregadas de limpeza. A partir de agora, a limpeza e desinfecção de um ferimento e a limpeza e desinfecção de uma instalação sanitária são remuneradas da mesma forma. Para o Estado, um doente não é muito diferente de uma sanita. Compreende-se: é raro o doente que está interessado no empreendedorismo, que aposta na inovação e que promove o aumento da competitividade, que são os valores sagrados do nosso tempo. Uma sanita, por outro lado, é das peças de porcelana mais empreendedoras, inovadoras e competitivas.

Na verdade, se alguém deve ganhar salários de miséria são os enfermeiros. Estive a ver o currículo do curso da Escola Superior de Enfermagem de Lisboa e descobri várias cadeiras que preparam o futuro enfermeiro para a subnutrição. O profissional que, auferindo 300 euros por mês, se veja forçado a adquirir menos e piores alimentos, tem competências para ministrar primeiros socorros em si mesmo, tanto no domínio da anemia como da hipovitaminose e do próprio escorbuto. Não se percebe esta choradeira.

De acordo com um responsável do sindicato, um dos problemas é o facto de o Estado contratar os serviços de enfermagem a empresas que, por sua vez, subcontratam os enfermeiros. Por cada enfermeiro contratado, as empresas recebem 1 151 euros. Ser enfermeiro não é especialmente proveitoso, mas contratar enfermeiros, provavelmente pelo que essa actividade tem de empreendedor, inovador e competitivo, paga melhor. Por ignorância ou burrice, os enfermeiros preferiram entrar no negócio da enfermagem dedicando-se mesmo à enfermagem, em lugar de se abalançarem ao muito mais rentável proxenetismo de enfermagem. Infelizmente, a Escola Superior de Enfermagem não oferece qualquer curso de contratação de enfermeiros. É sempre a mesma coisa: as áreas de estudo com melhores saídas profissionais são ignoradas pela academia.”

Ricardo Araújo Pereira